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.2012 - Volumen 5, Número 3
 
     
Implementação de um Sistema de Educação a Distância Mediatizado pela Internet
 

Sergio A. Ferreira e Eduardo L. Cardoso

 

Os condicionalismos geográficos, demográficos e sociais da Região Autónoma dos Açores (RAA) obrigaram a Direção Regional de Educação (DRE) a repensar o modo de funcionamento do ensino recorrente para adultos na região, ao nível dos 2.º e 3.º ciclos e ensino secundário. Os Açores são uma região arquipelágica com uma forte descontinuidade territorial. O arquipélago conta com nove ilhas, que têm áreas territoriais e quantitativos populacionais muito díspares. São Miguel, a ilha com maior área territorial e a mais populosa do arquipélago, tem uma área de 745 km² e segundo o Recenseamento Geral da População e Habitação de 2001 contava com 131 609 residentes. Em contrapartida, o Corvo, a ilha mais pequena e menos povoada, tem uma área de 17 km² e no mesmo momento censitário registava 425 habitantes (INE, 2003). A maioria das ilhas apresenta uma grande dispersão dos seus povoados (OVGA, 2004), que, em muitos casos, não são servidos por transporte público à noite. Limitação importante, pois o público-alvo do ensino recorrente é um público adulto, com vidas profissionais e familiares preenchidas, que, por norma, só encontra tempo disponível para o estudo no período noturno.

Nas ilhas menos densamente povoadas há um reduzido número de alunos inscritos no ensino recorrente. Esta situação que coloca três problemas: i) limitação na oferta formativa. A DRE teria de obrigar os alunos a escolher determinados cursos e disciplinas, para se conseguir ter um grupo de alunos que constituíssem uma turma presencial; ii) a qualidade pedagógica seria afetada, pois a discussão e o trabalho colaborativo estariam fortemente limitados, devido ao reduzido número de alunos; iii) do ponto de vista financeiro, esta situação é insustentável, na medida em que seria necessária uma grande mobilização de recursos humanos (professores e funcionários) e também materiais para prestar um serviço a grupos muito pequenos.

O ensino recorrente mediatizado foi um projeto idealizado e desenvolvido de raiz pela DRE, como resposta às limitações que as características do arquipélago impõem. Neste artigo pretendemos abordar as implicações da introdução da tecnologia, associada à implementação de um sistema de educação a distância mediatizado pela Internet, na organização dos cursos e no modelo de ensino e aprendizagem.

Como aproximação metodológica, desenvolveu-se um estudo de caso, em que as entrevistas semiestruturadas, realizadas a atores responsáveis pela idealização e implementação do ensino mediatizado no terreno, se constituíram como principal fonte de informação. A observação das aulas virtuais, a análise de documental - diplomas legais e relatórios internos da Escola-sede e da DRE - foram fontes secundárias.


Como guias orientadores do estudo, consideraram-se os fatores críticos que comprometem o sucesso das iniciativas online apontadas por Rosenberg (2006): i) introdução da tecnologia sem estratégia; ii) fatores organizacionais e de qualificação do capital humano; iii) avaliação inexistente ou desadequada.

1. REVISÃO DA LITERATURA

A problemática da utilização das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), no processo de ensino e aprendizagem online, entrou inequivocamente nos temas educacionais em debate. Muitas têm sido as esperanças depositadas no potencial das TIC ao serviço da educação, mas muitos têm, também, sido os fracassos ao nível dos resultados (Fernandes, 2006). Nas palavras de Lippert e Davids (2006, pp. 434): “Trillions of dollars are annually spent on the development and implementation of information technology within the United States and around the world. On average, roughly 50% of such systems are considered failures or fall short of meeting the expectations set forth by management.”

Rosenberg (2006) sintetiza os principais fatores que podem comprometer o sucesso de qualquer iniciativa de formação online:

  • Tecnologia sem estratégia: acontece quando os objetivos são definidos mais pela tecnologia do que pelas metas do modelo de ensino e aprendizagem que se pretende desenvolver;
  • Falta de capital humano, com experiência no ensino online, que permita implementar um curso com eficácia e qualidade;
  • Não ter atenção às características específicas da formação online;
  • Impreparação da organização para aceitar o ensino online;
  • A inexistência de avaliação das diversas vertentes do curso.

A utilização das TIC e a implementação de um modelo de ensino online não significam, necessariamente, uma mais-valia nem uma rutura com os modelos educacionais do passado. A utilização das TIC, quando não acompanhada por mudanças nos modelos de formação, apenas dá uma aparência de mudança e modernidade ao ensino e aprendizagem (Fernandes, 2006). A aposta na formação dos professores e tutores, a interligação entre a tecnologia e a prática pedagógica são fatores essenciais no salto qualitativo dos modelos de formação.

De facto, na literatura é consensual a importância da qualificação dos recursos humanos, em especial de professores/ tutores dotados de conhecimentos e competências específicas para o desenvolvimento de cursos online com eficácia (Duggleby, 2000; Salmon, 2004; Barker, 2002a; Cejudo, 2006). A questão que se coloca é: “Que conhecimentos e competências são necessários?”

Salmon (2004) responde a esta questão, propondo uma síntese bastante abrangente das competências que o tutor online deve reunir, identificando duas vertentes com as características e as qualidades:

  • Características - Understanding of online process; technical skills; online communication skills; content expertise; personal characteristics.
  • Qualidades - Confident; constructive; developmental; facilitating; knowledge sharing; Creative (Salmon, 2004, pp. 54, 55).

Philip Barker (2002b) propõe um conjunto de competências que se aproxima, em muitos aspetos, da proposta de Salmon (2004). Barker (2002b) considera que o tutor online deve preencher, cumulativamente, três grandes tipos de competências:                  

  • Pedagógicas - As competências desta categoria prendem-se com desenho e a criação de materiais de ensino e aprendizagem para uso online. A idealização e desenvolvimento de atividades que promovam a autoaprendizagem, o trabalho colaborativo, a superação de dificuldades e aprofundamento de temáticas são competências pedagógicas nucleares que um tutor online deve dominar. O papel de guia e conselheiro que o tutor deve desempenhar, competências de cariz marcadamente social, são, também, fundamentais no desenvolvimento de uma tutoria eficaz.
  • Técnicas - Integram-se nesta categoria as competências que possibilitam ao tutor online usar adequadamente o software para conduzir a sua atividade de tutoria de forma eficiente.
  • Organizacionais – As competências desta categoria referem-se à capacidade dos tutores organizarem as suas próprias atividades e as atividades individuais e colaborativas em que intervêm os estudantes. A criação de estruturas de comunicação online eficientes é de capital importância para o sucesso do processo de ensino e aprendizagem.

Zimmer, Harris e Muirhead (2000, pp. 3.16) destacam a importância do enquadramento metodológico da atividade de tutoria online: “If tutors learn only the mechanics, they may try to use didactic methods online.” Relativamente ao enquadramento metodológico, o construtivismo como filosofia e como pedagogia é hoje amplamente aceite. O construtivismo está próximo de todas as teorias contemporâneas do ensino e aprendizagem: “Yet constructivism as a philosophy and as pedagogy is now widely accepted. This is a time of theoretical foment, where nearly all contemporary theories of learning (constructivism, situated learning, social cognition, activity theory, distributed cognition, ecological psychology, and case-based reasoning) share convergent beliefs about how people naturally come to know” (Jonassen, Howland, Moore e Marra, 2003, pp. iii). A função do tutor passa por facilitar o trabalho colaborativo, através do desenho de atividades que aumentem progressivamente o grau de interatividade e que promovam uma aprendizagem ativa e colaborativa. Tammelin (s.d.), citado por Cornelius e Higgison (2000, pp. 25) refere: “The teacher’s role was not anything like in conventional situations, where the teacher tells exactly what to learn. In a telematics-based environment the teacher is more or less just another participant, though very active one and the teacher’s role as an organiser is greatly emphasised. So in this way it is much more efficient to learn to communicate, and learning is not just a one-way street.”

Jonassen, Peck e Wilson (1999) definem um conjunto de atributos que o tutor online deve privilegiar, para que os estudantes possam fazer uma verdadeira aprendizagem significativa (meaningful learning):

  • Ativo (Manipulativo/ Observante) - Criar condições para que os alunos possam aprender em contextos que de alguma forma se aproximem do mundo real. Os estudantes devem ter a possibilidade de manipular objetos e ferramentas e observar os seus efeitos.
  • Construtivo (Articulador/ Reflexivo) – A atividade é necessária, mas não suficiente para a aprendizagem significativa. A condução pedagógica tem de possibilitar um período de reflexão. A aprendizagem significativa acontece por reflexão, em que o novo conhecimento é integrado no conhecimento anterior e vai funcionar como andaime na construção de um novo conhecimento mais complexo.
  • Cooperativo (Colaborativo/ Conversacional) – Na resolução de um problema ou de uma tarefa, as pessoas naturalmente escutam as ideias e as opiniões dos outros. Os estudantes trabalhando em grupo têm de negociar e chegar a entendimentos sobre tarefas e métodos a usar. O trabalho cooperativo favorece a exploração de capacidades entre os alunos como uma forma natural de aprender em comunidade de aprendizagem e de construção de conhecimento.
  • Autêntico (Complexo/ Contextualizado) - Muitos professores cometem o erro da super-simplificação do conhecimento, em lugar de o transmitir de forma fácil, mas real. A aprendizagem realizada através de situações fora do contexto real é mais difícil de transferir para outras situações. As atividades proporcionadas devem ser tarefas reais ou simuladas com base em casos, problemas ou questões. Devem, também, oferecer a base para os alunos praticarem o desenvolvimento de conhecimento e de competências relevantes no mundo real.
  • Intencional (Reflexivo/ Regulador) - As atividades devem articular os objetivos do aluno com os do processo de ensino e aprendizagem. Devem, também, requerer que os estudantes articulem as suas ações, as decisões a tomar, as estratégias a usar com as respostas que pretendem atingir. Quando os estudantes articulam o que aprenderam e refletiram conseguem compreender mais e melhor e são mais capazes de construir conhecimento em novas situações.

Mesmo um tutor experiente no ensino online, dificilmente reunirá, simultaneamente, conhecimentos disciplinares, conhecimentos tecnológicas e das ciências da aprendizagem, pelo que, desejavelmente, deverá existir uma equipa que divida funções:

  • Especialistas na área do conhecimento disciplinar, que concebem os conteúdos;
  • Especialistas em Instructional Design and Techonology, que os didatizam de segundo o modelo instrutivista;
  • Especialistas em Webdesign, que traduzem para linguagens de programação Web (como HTML, Flash e XML que é compatível com as normas Scorm);
  • Especialistas do campo audiovisual que desenvolvem os recursos didáticos como vídeos e filmes (Miranda, 2009).

Outra vertente apontada como sendo determinante para a falta de sucesso de alguns sistemas de e-learning é a inexistência de uma estratégia clara ao nível das metodologias e dos conteúdos. Segundo Figueira (2003), o fator fundamental é a interação entre o formando e o sistema (conteúdos, tutor e outros formandos): “Para além da interatividade formando‑conteúdo é necessário definir mecanismos de interatividade formando-formando, formando-formador/tutor e formando-sistema (…). O grande desafio é criar um ambiente de aprendizagem em que se aprende “com” (modelo construtivista) em vez de aprender “a partir de” (modelo instrutivista)” (Figueira, 2003, pp. 18).

Jonassen (2007) é um dos investigadores da atualidade que advoga a importância de aprender “com a tecnologia”, no lugar de aprender “a partir da tecnologia”, nas suas palavras: “Anteriormente, defendi que os alunos não aprendem a partir de tecnologias, mas que as tecnologias podem apoiar a construção de significados por parte dos alunos” (Jonassen, 2007, pp. 20, 21). Jonassen é um entusiasta da utilização de ferramentas cognitivas (figura 1).

As ferramentas cognitivas são dispositivos de pensamento crítico, que envolvem ativamente os estudantes “na criação de conhecimento que reflete a sua compreensão e conceção de informação, em vez de reproduzir a apresentação da informação feita pelo professor” (Jonassen, 2007, pp. 22). As ferramentas cognitivas incluem, mas não se limitam a, sistemas periciais, micromundos, bases de dados, redes semânticas (mapas conceptuais).

A falta de modelos de suporte e a fragilidade da estratégia são apontados por vários autores (eg: Hickman, 2010; Kotter, 2009) pelos fracos resultados decorrentes da mudança. O correto diagnóstico das mudanças sociais e a compreensão da urgência da adaptação da organização como resposta a essas mutações são o ponto de partida para uma reposta eficaz, porém, não suficiente. Conhecer a organização e os seus atores, definir um plano que contemple a restruturação dos recursos humanos e processos, de modo a eliminar obstáculos para concretização da visão estratégia são condições sem as quais o êxito fica comprometida.

Figura 1. Processos de aprendizagem de ferramentas cognitivas (Jonassen, 2007)

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Figueira (2006) identifica cinco fases da mudança organizacional para alcançar o mais elevado nível da mudança de um Ambiente de Aprendizagem Enriquecido pela Tecnologia (TELE - Technology Enhanced Learning Environments). Idealmente, um TELE evoluirá de uma fase exploratória para uma fase de transformação do ambiente de aprendizagem, que é atingida quando a tecnologia é utilizada eficazmente por todas as pessoas da organização e a cultura de partilha de conhecimento entre as comunidades de aprendizagem é a regra (figura 2).

Figura 2. Percurso para o Ambiente de Aprendizagem em Rede (Figueira, 2003)

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2. METODOLOGIA E OBJETIVO DA INVESTIGAÇÃO

Esta investigação tem por objetivo responder a interrogações relativas a um sistema contemporâneo inovador, sobre qual existe pouca informação. Procurou-se compreender o modo de implementação do ensino mediatizado nos Açores, quais as suas potencialidades e condicionantes. Pareceu-nos adequado o desenvolvimento de um estudo de caso como forma de abordagem à problemática em estudo, na medida em que permite “uma observação detalhada de um contexto (…) ou acontecimento específico” (Bogdan e Bilken, 1994, pp. 89). A aproximação foi essencialmente qualitativa, descritiva, privilegiando-se o estudo de um sistema concreto e bem delimitado - neste caso o ensino recorrente mediatizado nos Açores.

As entrevistas semiestruturadas constituíram-se como principal instrumento de recolha de informação. Quivy e Campenhoudt (2005) consideram que as entrevistas realizadas a especialistas no domínio da temática investigada são uma mais-valia importante no desenvolvimento do projeto: “Docentes, investigadores especializados e peritos no domínio da investigação (…) podem também ajudar-nos a melhorar o nosso conhecimento do terreno, expondo-nos não só os resultados dos seus trabalhos, mas também os procedimentos que utilizaram, os problemas que encontraram e as escolhas a evitar” (Quivy e Campenhoudt, 2005, pp. 71).

Considerou-se fundamental entrevistar as seguintes pessoas: diretora regional da educação (E - diretora regional), coordenador do ensino recorrente mediatizado (E - coordenador), sete professores que lecionam atualmente o ensino recorrente mediatizado (E - professores):

  • A entrevista à diretora regional da educação, que em 2003/ 2004, altura da implementação do ensino recorrente mediatizado, já exercia funções, teve como objetivo ajudar-nos a compreender como se processou a implementação do ensino recorrente mediatizado.
  • Entrevista ao coordenador teve por objetivo aferir pontos fortes e obstáculos do sistema.
  • As entrevistas aos professores, selecionámos sete docentes, de diferentes áreas, e com diferentes níveis de experiência no ensino mediatizado, de modo ter uma amostra o mais heterogénea possível, que nos permitisse cobrir a maior diversidade de situações (Bell, 2004). O objetivo das entrevistas, mais do que conseguir uma representatividade estatística, foi conseguir dados relevantes, por vezes conseguir uma saturação, em que se compreenda que mais uma entrevista já não acrescenta informação importante. A informação obtida teve como objetivos: traçar um perfil dos professores, relativamente às competências no campo das TIC e do e-learning; aferir as principais atitudes perante o e-learning; caracterizar o tipo de tutoria praticada; e aferir o tipo de relações de partilha e colaboração que se verificam entre os elementos;

Nesta investigação, utilizou-se, também, uma grelha de observação que foi preenchida com: i)  informação recolhida nas entrevistas aos professores; ii) resultados da análise do material, das atividades e das aulas virtuais síncronas, disponibilizados no Learning Management System (LMS), pelos sete professores entrevistados. Finalmente, o exame documental (diplomas legais e relatórios internos da EB 3/S Vitorino Nemésio e da DRE) contribuiu para o enquadramento da temática.

3. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DE RESULTADOS

3.1. Lançamento do Projeto

A entrevista à diretora regional permitiu-nos compreender o modo como se processou a implementação do projeto do ensino mediatizado. Numa fase inicial, a DRE lançou o desfio às escolas da região para se candidatarem. Às escolas candidatas exigiu-se o cumprimento cumulativo dos requisitos previstos no artigo 4.º, da Portaria n.º 17/2003, de 27 de Março (SREC, 2003), que regulamenta o ensino recorrente mediatizado: é fundamental que os conselhos executivos mostrem disponibilidade para oferecer e manter cursos em funcionamento durante, pelo menos, 5 anos; disponham de pessoal docente, de preferência nos seus quadros, com as competências necessárias e disponham de pessoal docente ou não docente, com a necessária proficiência em matéria de telecomunicações e informática, ou de entidade consultora que possa suprir esse requisito.

A EB 3/S Vitorino Nemésio, na Ilha Terceira, na opinião da DRE, foi a que reuniu os melhores requisitos, sendo, por isso, selecionada. Os passos seguintes foram a aquisição de uma plataforma LMS à PT Inovação, a Formare (http://esvn.formare.pt/esvn/portal/default.aspx), e a formação de professores (a única formação oferecida pela EB 3/S Vitorino Nemésio foi na exploração das funcionalidades da Formare). A DRE reconhece o papel de capital importância assumido pelo conselho executivo da EB 3/S Vitorino Nemésio na implementação do ensino mediatizado no terreno, pela forma como se empenhou para que tudo tivesse sucesso (E - diretora).

Quando lançou o projeto, a DRE não sabia exatamente se a experiência teria sucesso, dado o seu carácter pioneiro. No ano letivo 2003/ 2004, o projeto arrancou e a adesão foi bastante grande, o que constituiu uma grande motivação para a DRE. O projecto continuou a evoluir e consolidar-se, de tal modo que a DRE considera o ensino mediatizado uma situação perfeitamente consolidada (E - diretora).

3.2. Linhas gerais da organização e funcionamento do processo de ensino e aprendizagem no ensino mediatizado

A portaria n.º 17/2003, de 27 de Março, regulamenta todo o ensino mediatizado recorrente. Este ensino está aberto a qualquer estudante, independentemente da sua área de origem. A EB 3/S Vitorino Nemésio é responsável por todo o processo escolar dos alunos, desde o ato de matrícula até à atribuição do diploma. O apoio que as escolas da área de residência dos estudantes prestam, prende-se com aspetos logísticos, no caso, a cedência dos serviços de professores para vigilância das provas presenciais escritas e constituição do júri para as provas presenciais orais.

A plataforma Formare (Figura 3), da PT Inovação, serve de suporte ao processo de ensino e aprendizagem e oferece múltiplas valências para a gestão das atividades pedagógicas, de que são exemplos: a gestão pedagógica dos conteúdos, organização de grupos, espaços de colaboração síncrona e assíncrona; troca/acompanhamento de trabalhos, ferramentas de autor (glossário, quiz, importação/ conversão de materiais existentes. Destas ferramentas, só a gestão pedagógica de conteúdos, o chat (ferramenta de comunicação assíncrona com base em texto) e o correio eletrónico é que são utilizadas por mais de 50% dos professores entrevistados. Portanto, existe uma utilização muito limitada das funcionalidades da plataforma no desenvolvimento da prática letiva.

Figura 3. Vista geral da plataforma Formare

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Sobre o funcionamento das atividades letivas, para cada disciplina existe uma sessão síncrona por semana, com a duração de duas horas, contabilizando cada hora uma aula. As aulas virtuais síncronas são lecionadas a partir do escritório eletrónico da EB 3/ S Vitorino Nemésio, uma sala equipada com cerca de uma dúzia de computadores, onde professores e alunos vão interagindo em ambiente chat. Os professores podem optar por lecionar a partir da sua residência, mediante um pedido de autorização por escrito ao conselho executivo, que é diferido, desde que os professores declarem ter reunidas as condições técnicas na sua residência para a lecionação. Apesar da Formare disponibilizar a função síncrona de áudio, os professores que entrevistámos (E - professores) declararam não a utilizar e afirmaram não ter conhecimento de algum professor que o faça com regularidade. Os inúmeros problemas técnicos apresentados pelo áudio impossibilitam a normal utilização, sendo, por isso, os prejuízos superiores às vantagens (E - coordenador e E - professores).

Relativamente à avaliação e certificação das aprendizagens, pode ler-se no diploma legal que regula o ensino mediatizado: “A avaliação é contínua, coexistindo elementos de avaliação multimédia com momentos de avaliação presencial” (SREC, 2003). O conselho pedagógico da EB 3/S Vitorino Nemésio definiu 80% de ponderação para os momentos de avaliação presencial. A avaliação presencial traduziu-se na realização de duas ou três provas (que assumiram sempre a forma de ficha de avaliação escrita presencial), consoante a duração da lecionação do bloco da disciplina. As provas são elaboradas e corrigidas pelo professor que leciona a disciplina na EB 3/S Vitorino Nemésio. Os enunciados são enviados para a escola da área de residência do estudante por correio eletrónico e as provas são enviadas para correção à EB 3/S Vitorino Nemésio por correio postal. Nos blocos das disciplinas de línguas estrangeiras, os 80% da avaliação presencial foram distribuídos pela prova escrita (70%) e pela prova oral (30%). As provas orais são prestadas na escola da área de residência do estudante, perante um júri de professores dessa escola, mas de acordo com uma matriz elaborada pelo professor da EB 3/S Vitorino Nemésio. O júri da prova classifica e envia um relatório descritivo ao professor titular na Ilha Terceira.

3.3. As implicações da introdução da tecnologia e do ensino online no modelo de ensino e aprendizagem

Os dados recolhidos, através das entrevistas (diretora regional, coordenador e professores), permitiram perceber que a implementação do ensino mediatizado no terreno foi uma decisão tomada pela DRE, fruto do diagnóstico efetuado à realidade demográfica, geográfica e social do arquipélago dos Açores. A DRE abriu concurso público para que as escolas da região se candidatassem a acolher este projeto. A EB 3/ S Vitorino Nemésio, como já referimos, foi a escola selecionada. Esta escola nomeou um coordenador responsável pelo ensino mediatizado, um docente sem experiência no ensino online (E - coordenador). Aos professores desta escola foram distribuídos horários no ensino mediatizado (simultaneamente lecionavam o presencial), sem preocupação em fazer um levantamento das competências dos docentes no campo do ensino online (E – coordenador e E - professores).

Zimmer, Haris e Muirhead (2000) consideram fundamental fazer o devido enquadramento metodológico na conceção dos cursos online, em particular nas questões relacionadas com a tutoria. Ser professor num ambiente online não é exatamente o mesmo do que ser professor numa sala de aula presencial. Muitas instituições consideram que um professor eficiente no ensino presencial será um professor habilitado para o ensino online. Nada de mais errado (Rooney e Scott, 2003). Esta leitura errónea parece ter sido feita no ensino mediatizado, pois, nenhum dos professores entrevistados (E - professores) tinha formação sólida no campo do e-learning, nem experiência enquanto aluno ou tutor no ensino online. A ausência de modelos sobre a dinâmica de funcionamento de um curso online resultou numa transposição das metodologias utilizadas do presencial para o mediatizado.

Atendendo a que a EB 3/S Vitorino Nemésio não tem uma massa crítica de profissionais com experiência no ensino online, dar a possibilidade dos seus professores frequentarem cursos online simulados, conduzidos por profissionais, seria um fator fundamental para se conseguir dar um salto qualitativo no ensino mediatizado. Esta formação assume ainda uma maior importância quando os professores não tiveram qualquer experiência como estudantes de e-learning (Bernath e Rubin, 2001; Salmon, 2004).

Bourne, McMaster, Rieger e Campbell (1997) sustentam que os modelos de ensino online centrados no professor têm sido dominantes. Estes modelos tendem a transferir materiais, técnicas e métodos do ensino tradicional para o ensino online. Centram-se mais no ensino do que na aprendizagem e baseiam‑se mais na transmissão de informação, adotando as mesmas estratégias de ensino agora mediatizadas por uma ferramenta tecnológica (Duart e Sangrà, 1999).

Através da análise da informação recolhida, posicionámos o ensino mediatizado nos modelos de ensino online centrados no professor. Já referimos que, ao nível do material didático disponibilizado, há uma clara transferência do ensino presencial para o mediatizado. O mesmo parece acontecer relativamente à metodologia. Na idealização de atividades não são visíveis diferenças metodológicas claras entre o ensino presencial e o ensino mediatizado. As aulas virtuais têm um cariz fortemente expositivo e os professores assumem um papel de grande centralidade na exploração de documentos, discussões, esclarecimento de dúvidas. O trabalho colaborativo é subvalorizado de uma maneira muito evidente (grelha de análise das aulas virtuais e dos conteúdos do LMS).A ausência de fóruns abertos e o desenvolvimento individual dos trabalhos de investigação são outros indicadores que comprovam a quase ausência de trabalho colaborativo.

Atendendo a que no ensino mediatizado os alunos são, maioritariamente, adultos, a subvalorização do trabalho colaborativo pode constituir uma perda importante na promoção do sucesso na aprendizagem. Nunes (2004) apresenta sugestões para uma exploração eficiente das características de aprendizagem dos adultos em contexto online, onde valoriza de uma forma muito clara o trabalho colaborativo:

  • Utilização da experiência acumulada dos formandos - Os adultos têm experiências de vida muito diferentes, formando grupos de aprendizagem bastante heterogéneos em conhecimentos, necessidades e objetivos. A aprendizagem colaborativa, baseada na partilha destas experiências, constitui uma mais-valia;
  • Ligação da aprendizagem com a vida real - Promover discussões em grupo, mobilizando as experiências das atividades profissionais dos alunos;
  • Envolvimento dos alunos no planeamento da formação, responsabilizando-os pela aprendizagem - Os adultos precisam de estar envolvidos para se responsabilizarem por algo. A formação de grupos de trabalho e a solicitação da participação do grupo de alunos para a calendarização de atividades é um meio eficaz para repartir a responsabilidade de cada um perante a turma.

Jonassen (2007) propõe o abandono de modelos tradicionais do passado, baseados na transmissão de conhecimentos, e defende a adoção de uma abordagem construtivista, em que a tecnologia desempenha um papel importante na potenciação do trabalho colaborativo. O construtivismo prescreve uma nova maneira de encarar a experiência educacional, considerando a construção do conhecimento um processo natural: “As tecnologias têm sido tradicionalmente utilizadas nas escolas para ensinar os alunos do mesmo modo como fazem os professores (dizendo-lhes o que sabem e avaliando a sua compreensão e retenção do que lhes foi dito). Não acredito, apesar de ser um pressuposto tradicional de grande parte do ensino, que os alunos aprendam a partir de computadores ou a partir de professores. Pelo contrário, os alunos aprendem pensando de forma significativa, sendo o pensamento ativado por atividades que podem ser proporcionadas por computadores ou por professores.” (Jonassen, 2007, pp. 23)

No ensino mediatizado, a idealização e construção do material didático é da exclusiva responsabilidade do professor. A partilha de material e a entreajuda dos professores na resolução de problemas não resulta de um trabalho colaborativo consistente, mas de situações pontualmente resolvidas com base na informalidade(E – professores). Esta situação aliada à incipiente formação dos professores em assuntos relacionados com a utilização das TIC (reduzido número e fraca diversificação de cursos, disciplinas e ações de formação frequentados) e à reduzida diversificação de software utilizado constituem obstáculos a uma utilização mais eficiente das TIC (Ramos, Carmo, Fernandes, Leask e Younie, 2001).

Relativamente à avaliação para controlo garantia da qualidade, controlo dos processos e disseminação das boas práticas não há uma estratégia evidente (Hickman, 2010; Kotter, 2009). A única avaliação resulta de relatórios realizados pela EB3/ Vitorino Nemésio e remetidos à DRE dos quais contam informação estatística sobre o número de inscrições, taxas de aprovação, retenção e abandono.

4. CONCLUSÕES

O ensino mediatizado permite vencer algumas das barreiras geográficas, demográficas e sociais que o arquipélago encerra, nomeadamente a dispersão geográfica e a existência de áreas rurais isoladas com quantitativos populacionais muito baixos. Este sistema é socialmente relevante, na medida em que possibilita a diversificação da oferta formativa a custos que ensino presencial tornaria incomportáveis. A flexibilidade espacial e temporal, oferecida pelo sistema na frequência das aulas e na realização das atividades, permite servir públicos que, de outro modo, ficariam impossibilitados de prosseguirem os seus estudos. O ensino mediatizado pode futuramente oferecer outras valências, nomeadamente na formação contínua de professores e auxiliares de ação educativa (E – coordenador e E - Professores).

A implementação do ensino mediatizado, um modelo pioneiro no ensino público ao nível do ensino básico e secundário não significou, no entanto, uma rutura com os modelos educacionais do passado. Na linha dos sinais de alarme que comprometem o sucesso do e-learning, identificados por Rosenberg (2006), alguns motivos contribuíram para esta situação:

  • A falta de visão estratégica da tecnologia – O ensino mediatizado foi a solução encontrada para dar resposta às condicionantes que a insularidade impõe. Contudo, a falta de modelos de referência, e a não definição de ações estratégica consistentes, condicionaram o desenvolvimento do projeto. Para além da aquisição de um LMS, e da formação dada a professores na exploração das funcionalidades desse LMS, não foi visível qualquer outro enquadramento estratégico da tecnologia;
  • A incipiente formação do capital humano - A EB 3/ S Vitorino Nemésio não tem massa crítica com experiência na formação online. Não houve investimento na formação de professores, nomeadamente através da frequência cursos online simulados, conduzidos por profissionais. O trabalho dos professores (que têm conhecimentos na área disciplinar) não foi acompanhado por especialistas no campo do Instructional Design and Techonology, Webdesign e do audiovisual;
  • A não consideração das características específicas da formação online e a falta de modelos de referência levou a uma transposição as metodologias do presencial para o ensino mediatizado;
  • A impreparação da organização para aceitar o ensino online deriva da falta de planeamento e de visão estratégica, associadas ao baixo know-how do capital humano em matéria de ensino online a distância.
  • A avaliação das práticas foi feito de modo incipiente – Para além do levantamento dos números de inscrições, taxas de aprovação, retenção e abandono, nunca se fez uma verdadeira avaliação à organização do sistema nem à prática pedagógica

Recuperando as cinco fases da mudança organizacional (figura 2)com a introdução de um Ambiente de TELE (Figueira, 2006), posicionámos o ensino mediatizado na fase 2. Foi introduzido um LMS, porém, sem consequências relevantes ao nível das práticas. O LMS é utilizado como repositório de conteúdos (ficheiros Office) e é um local onde as aulas decorrem em ambiente chat. A utilização da tecnologia é mínima e a cultura de partilha de conhecimento entre os diferentes atores é quase ausente.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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