REICE 2014 - Volumen 12, Número 3
A RELAÇÃO DA LEITURA E AUTOCONCEITO COM O DESEMPENHO ACADÊMICO EM ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL {1}

INTRODUÇÃO

O desempenho acadêmico, segundo Costa (1990), se refere ao conhecimento adquirido e demonstrado pelo aluno nos diversos conteúdos que lhe é ensinado no ambiente escolar, ou seja, esse desempenho diz respeito à dimensão cognitiva do desenvolvimento do aluno. Esteban (2000) e Oliveira e Santos (2006), pontuam que esse desempenho também é referido como rendimento escolar e pode ser obtido, quantificado por meio de provas.

Para Depresbiteris (1997) a nota final da avaliação tem um caráter burocrático e pode não refletir a aprendizagem ocorrida durante o período letivo, bem como a atribuição de nota pelo professor muitas vezes é feita sem considerar os objetivos da disciplina ou do projeto pedagógico. Essa situação parece se agravar com a implantação do sistema de progressão continuada, também referido como progressão automática, em todo o Brasil na educação básica (Brasil/Lei das Diretrizes e Bases da Educação, 1996). Esse apontamento de Depresbiteris é corroborado por Esteban (2000) ao sugerir que as avaliações não conseguem abranger todas as formas possíveis de se investigar o desempenho.

Além disso, essas avaliações têm o objetivo de mensurar aspectos cognitivos, mas conforme descrito por Araújo (2002), diversos fatores, como por exemplo, características da escola, estrutura física e pedagógica, qualificação do professor, relações familiares e até mesmo características do próprio indivíduo podem interferir no desempenho acadêmico. Esses fatores apontados por Araújo foram observados na pesquisa de Hernández-Castilla, Murillo e Martínez-Garrido (2014) que objetivou compreender possíveis razões para que algumas escolas não consigam que seus alunos desenvolvam a aprendizagem esperada. Nessa investigação os autores consideraram o contexto de oito escolas primárias, avaliadas com ineficiência escolar, de países Iberoamericanos. Os resultados apontaram que, em geral, nessas escolas há um ambiente negativo, com relações precárias entre os docentes, bem como dos alunos e pais com a escola; desmotivação dos docentes e pouco compromisso destes e da direção com a escola; liderança e gestão ineficiente; percepção negativa dos docentes sobre o futuro dos alunos, muitas vezes relacionada ao ambiente precário e com poucos recursos; participação praticamente inexistente das famílias nas atividades escolares; processo de aprendizagem limitado a reprodução de conteúdos; e instalações escolares precárias e recursos escassos.

No que se refere às características específicas do indivíduo, deve-se considerar também os aspectos afetivo-emocionais, pois como bem pontuado por Costa e Boruchovitch (2004), a interferência das variáveis afetivas para o rendimento escolar é reconhecida, e pesquisas precisam ser desenvolvidas buscando compreender essa relação.

Diante do exposto acima, percebe-se a importância de se verificar a relação de aspectos cognitivos e afetivo-emocionais com o desempenho acadêmico, sempre com a finalidade das informações encontradas serem úteis para o melhor desenvolvimento da aprendizagem. Assim, o presente trabalho pretende contribuir para essa investigação tendo como construto cognitivo o desenvolvimento da leitura e, para o construto afetivo-emocional, o autoconceito. A seleção das variáveis leitura e autoconceito para o estudo correlacional e preditivo com desempenho acadêmico se faz relevante, uma vez que a habilidade da leitura, principalmente nos anos iniciais, como é o caso da população da atual pesquisa, tende a ser considerada uma variável determinante para o bom desempenho acadêmico. Com certeza a leitura é um fator essencial para que o aluno adquira com maior facilidade o conteúdo da maioria das disciplinas oferecidas no contexto escolar. No entanto, é importante identificar o quanto a leitura contribui para o desempenho, pois há outras variáveis, como o autoconceito, que também podem interferir para uma melhor apreensão do conhecimento. E mais, procurar compreender para qual ou quais anos escolares a habilidade da leitura tende a contribuir mais do que outros fatores, como o autoconceito, que é uma variável afetivo-emocional e que também está sendo apontado como um elemento contributivo da aprendizagem, do desempenho acadêmico.

Esse discernimento entre as relações de leitura e desempenho acadêmico, autoconceito e desempenho acadêmico, contribui para que profissionais da área da educação conheçam e ponderem melhor as variáveis envolvidas no complexo processo do desempenho acadêmico. Consequentemente, o trabalho desses profissionais, possa ser balizado e planejado considerando a necessidade de potencializar e desenvolver, por exemplo, em sala de aula, aspectos cognitivos e afetivo-emocionais visando o melhor desempenho acadêmico dos alunos.

1. LEITURA E DESEMPENHO ACADÊMICO

De acordo com Capovilla, Macedo e Charin (2002) para um leitor ser considerado competente precisa demonstrar boa capacidade de decodificação aliada a um reconhecimento preciso e ágil das palavras. Navas, Pinto e Delissa (2009) descrevem que a leitura está vinculada à alfabetização, à aprendizagem formal do ler e escrever, o que, consequentemente possibilita ao homem construir seu próprio conhecimento ao ter acesso às informações acumuladas pela humanidade por meio da escrita. Ao transportar essa ideia da aprendizagem e construção do conhecimento para dentro da sala de aula, automaticamente compreende-se porque a dificuldade da leitura interfere nos demais conhecimentos disponíveis na escola. Independente da matéria estudada, a criança é solicitada a fazer leituras para aprender e apreender o conteúdo.

Conforme colocado por Sisto e Martinelli (2006), durante a última década, aumentou a ocorrência do fracasso escolar no ensino fundamental, podendo, às dificuldades de aprendizagem nos diversos conteúdos, ser o fator desencadeador desse fracasso. Para Oliveira, Boruchovitch e Santos (2008), as dificuldades no ensino fundamental podem ser atribuídas ao pouco domínio da leitura e escrita. Sendo que especificamente sobre a leitura, alunos do ensino fundamental apresentam sérias dificuldades nesta habilidade. Essas mesmas autoras fizeram uma pesquisa investigando a compreensão em leitura e desempenho escolar por meio das notas de português e matemática. Os participantes da pesquisa foram 434 alunos do ensino fundamental da 5ª, 6ª, 7ª e 8ª séries. Os resultados encontrados apontaram que os alunos com melhor compreensão de leitura apresentavam maior desempenho em português e matemática. O estudo em questão é sobre a compreensão da leitura, já pressupondo a análise de um texto, diferente do que o presente estudo irá avaliar que é a leitura de palavras. No entanto, para obter a compreensão de um texto, é preciso que o desenvolvimento inicial da leitura, como o de palavras isoladas, esteja bem desenvolvido.

A pesquisa efetuada por Zuanetti, Schneck e Manfredini (2008), objetivou verificar a relação da consciência fonológica com o desempenho acadêmico em 24 escolares da 2ª série do ensino fundamental. A consciência fonológica é a capacidade de identificar e compreender os sons das letras. Os dados encontrados apontaram correlações significativas, positivas e altas entre consciência fonológica e desempenho acadêmico.

Comparando dois grupos com a mesma quantidade de sujeitos, sendo um com bom desempenho acadêmico e outro com distúrbios de aprendizagem, o trabalho de Silva e Capellini (2011) averiguou o desempenho cognitivo-linguístico de 40 alunos de 2ª a 4ª série do Ensino Fundamental. Os resultados mostraram que o grupo com bom desempenho acadêmico obteve desempenho superior em leitura, escrita, velocidade de processamento, processamento auditivo e visual ao ser comparado com o grupo com distúrbios de aprendizagem. Ressalta-se que os testes utilizados para avaliar a leitura foram de leitura de palavras, leitura de não palavras e reconhecimento do alfabeto. Um dado interessante, é que na prova de consciência fonológica, que não compôs a habilidade de leitura, mas foi investigada individualmente, os desempenhos entre os grupos foram semelhantes. Para este resultado sobre a consciência fonológica, os autores entenderam que a dificuldade do construto consciência fonológica pode não ser específica das pessoas com distúrbios de aprendizagem.

Como pode ser observado nas pesquisas citadas, a leitura se mostra um construto importante para o desempenho acadêmico e o presente trabalho contribuirá com novos dados, ainda mais por verificar a contribuição de outro construto para o desempenho acadêmico e assim possibilitar uma percepção mais abrangente dos fatores que interferem no desempenho, além da leitura. O próximo tópico abordará brevemente outro construto, o autoconceito, que também é apontado como importante para o desempenho.

1.1. Autoconceito e desempenho acadêmico

O autoconceito conforme Carneiro, Martinelli e Sisto (2003), é a ideia que a pessoa constrói sobre si, de forma lenta e como consequência das experiências que vivencia e pela forma como é tratada pelos outros. Isso faz do autoconceito um fator muito importante na vida do indivíduo, pois pessoas que experiênciam situações, por exemplo, negativas, desagradáveis e/ou injustas, e principalmente se forem vivenciadas com indivíduos significativos, como pais e professores, tendem a fazer um julgamento menos valorizado sobre si mesmas, desenvolvendo assim um autoconceito mais negativo. Outro aspecto do autoconceito também pontuado por Carneiro, Martinelli e Sisto (2003) é sua multidimensionalidade, tanto que Sisto e Martinelli, em 2004, desenvolveram um instrumento para avaliar autoconceito abrangendo quatro dimensões, a pessoal, a familiar, a escolar e a social, além da geral que é a somatória das dimensões. No entanto, não há um consenso sobre as dimensões, para exemplificar, a escala a Piers-Harris Self-Concept Questionnaire apresenta as dimensões comportamental, ansiedade, estatus intelectual/escolar, popularidade, aparência/atributos físicos e satisfação/felicidade.

Referente à associação entre autoconceito e desempenho acadêmico, encontram-se pesquisas controversas sobre essa relação. A pesquisa de Cia e Barham (2008) encontrou correlações positivas significativas entre autoconceito acadêmico e total com desempenho acadêmico. Para o desempenho acadêmico foi aplicado o Teste de Desempenho Acadêmico-TDE que avalia conhecimentos básicos de aritmética, escrita e leitura. Participaram da pesquisa 58 crianças de 5ª e 6ª série do Ensino Fundamental e observou-se que quanto maior o desempenho no TDE, maior o autoconceito.

Já, trabalho que contradiz, em partes, o estudo de Cia e Barham (2008), foi o de Clemente (2008). O autor investigou a relação de autoconceito com dificuldade de aprendizagem em uma amostra de 30 crianças portuguesas com idade entre 8 e 12 anos e comparou os resultados do autoconceito com uma amostra de crianças sem dificuldade de aprendizagem, do estudo de adaptação do teste de autoconceito utilizado na pesquisa. Os resultados, apesar de demonstrar que as crianças com dificuldade de aprendizagem apresentam menor autoconceito, a diferença com o grupo sem dificuldade não foi significativa. Nessa pesquisa um fator que pode ter interferido a não verificação de correlação foi a quantidade de sujeitos, que tende a influenciar na significância dos resultados estatísticos.

No entanto, as mesmas autoras Cia e Barham em 2009, publicaram outro artigo tendo como um dos objetivos verificar a relação entre autoconceito e desempenho acadêmico, sustentando a associação positiva. Dessa vez a amostra foi composta por 99 crianças de 1ª e 2ª série. A discrepância de resultados entre as pesquisas dessas autoras e de Clemente (2008) pode ser hipotetizada pelas diferentes amostras, já que a de Clemente comparou crianças com e sem dificuldades de aprendizagem.

Um trabalho que também apresentou resultados com associação entre autoconceito e desempenho acadêmico, foi desenvolvido por Ferreira, Conte e Marturano (2011) em uma amostra com 50 meninos com queixa escolar na faixa etária de 6 a 11 anos. Mas a única dimensão do autoconceito que se correlacionou positivamente, e de forma moderada, com o desempenho acadêmico obtido pelo TDE foi a subescala felicidade.

Dois estudos com amostras da população africana, estudantes de colegial, foram realizados e obtiveram resultados que contribuem para essa discussão da relação entre desempenho acadêmico e autoconceito. O primeiro, efetuado em 2011 por Bacon, analisou especificamente o autoconceito acadêmico e o desempenho acadêmico, encontrando correlações moderadas e positivas entre os dois construtos. O segundo trabalho investigado por Dambudzo e Schulze (2013) objetivou analisar o autoconceito e desempenho acadêmico em estudantes afro-americanos que sofreram a mobilidade geográfica. Os resultados apontaram que os estudantes com maior autoconceito nas dimensões social, físico, emocional e cognitivo, apresentavam melhor desempenho acadêmico, mas tais correlações foram baixas ou muito baixas. No entanto, o autoconceito cognitivo se mostrou com magnitudes maiores, moderadas, para grupos de estudantes mais novos, de zonas rurais, estudantes de escolas não-governamentais ou que estudam em regime de internato.

Diante do contexto das pesquisas apresentadas, observa-se que o autoconceito também tende a ser uma variável relevante para o desempenho acadêmico. Então é necessário que cada vez mais se investigue as variáveis relacionadas ao desempenho acadêmico de modo a compreender a associação de cada uma com o desempenho. Assim, o presente trabalho se propôs a contribuir nessa investigação enfatizando a leitura, construto cognitivo considerado imprescindível para o desempenho acadêmico, e o autoconceito, uma variável afetivo-emocional, e que também vem sendo apontada como importante para o desempenho acadêmico. Com isso, o objetivo do trabalho é investigar a relação entre leitura e autoconceito com desempenho acadêmico, bem como verificar qual construto, leitura ou autoconceito, prediz melhor o desempenho acadêmico em crianças do ensino fundamental.

2. MÉTODO

2.1. Participantes

Participaram do presente estudo 177 crianças do Ensino Fundamental de 2º, 3º, 4º e 5º ano, tendo em cada um destes respectivamente 23 (13%), 57 (32,20%), 55 (31,07%) e 42 (23,73%) participantes, de ambos os sexos, sendo 90 (50,85%) meninas e 87 (49,15%) meninos com idades entre 7 e 11 anos. A média da idade para cada ano escolar é 7,48; 8,3; 9,24; 10,33, respectivamente para o 2º ano, 3º ano, 4º ano e 5º ano. A coleta foi realizada em uma escola particular de uma cidade do interior do Estado de Minas Gerais, Brasil. As crianças que frequentam a escola são, na maioria, da classe média alta, e que possuem fácil acesso a recursos materiais e culturais, o que também é favorecido pela região onde a escola se situa que é considerada desenvolvida e com bons recursos financeiros. A amostra selecionada foi por conveniência, pois somente participou da pesquisa os alunos cujos pais assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido-TCLE, que é um documento de autorização, assinado por pais ou responsáveis, para participação de menores de 18 anos em pesquisas com seres humanos.

2.2. Materiais

2.2.1. Teste de Competência de Leitura de Palavras e Pseudopalavras - TCLPP

O TCLPP (Capovilla, Viggiano, Capovilla, Raphael, Mauricio e Bidá, 2004) é um instrumento neuropsicológico cognitivo e psicométrico para a avaliação da competência de leitura silenciosa, com o objetivo mais específico de avaliar as estratégias de desenvolvimento da leitura, quais sejam logográfica, fonológica e lexical. A versão do TCLPP utilizada para esta pesquisa foi a de lápis e papel, disponível em Capovilla, Viggiano et al. (2004), porém este teste também apresenta uma versão computadorizada que pode ser aplicada inclusive pela internet.

O teste é constituído por 77 itens, mas sete são para treino e não ganham pontuação. Os demais 70 itens, com o objetivo de mensurar o desempenho, são pontuados como acerto e erro, respectivamente com os valores 1 e 0. Cada item, incluindo a fase de treino, é composto de uma figura e de uma palavra ou pseudopalavra associada à figura. A tarefa do examinando é fazer um círculo nas palavras corretas do ponto de vista ortográfico e semântico, e assinalar com um X as palavras que são incorretas em termos ortográficos (i.e., pseudopalavras) ou semânticos (i.e., palavra associada a uma figura incompatível com ela).

Sete tipos de itens figura/palavra são distribuídos aleatoriamente no teste e cada tipo é contemplado por 10 itens. Os tipos de itens são: 1) palavras correta regulares, como fada sob a figura de uma fada; 2) palavras corretas irregulares, como táxi, sob a figura de um táxi; 3) palavras com incorreção semântica, como trem, sob a figura de um ônibus; 4) pseudopalavras com trocas visuais, como caebça, sob a figura de cabeça; 5) pseudopalavras com trocas fonológicas, cancuru sob a figura de um canguru; 6) pseudopalavras homófonas, páçaru sob a figura de um pássaro; e 7) pseudopalavras estranhas, como rassuno sob a figura de uma mão. Ressalta-se que a fase de treino abrange os sete tipos de itens e o examinador faz cada item junto com o examinando, explicando o que está certo e errado.

Os pares figura-palavra compostos de palavras corretas devem ser aceitos e pontuados como 1, já os pares com incorreção semântica ou pseudopalavras devem ser rejeitados e pontuados com 0. O padrão de erros em cada tipo de item pode ser indicativo sobre quais estratégias de leitura a criança usa e em quais tem dificuldade. Assim, conforme descrito por Capovilla e Capovilla (2004), erro na aceitação de palavras corretas irregulares pode indicar dificuldade com o processamento lexical, ou falta dele, enquanto erro na rejeição de pseudopalavras homófonas pode indicar a mesma dificuldade com o processamento lexical, ou falta dele, num nível ainda mais acentuado, com uso exclusivo da rota fonológica. Erro na rejeição de pseudopalavras com trocas fonológicas pode indicar a mesma falta de recurso ao léxico, mas com o agravante de dificuldades com o processamento fonológico. Erro na rejeição de palavras semanticamente incorretas pode indicar falta de acesso ao léxico semântico. Erro na rejeição de pseudopalavras com trocas visuais pode indicar dificuldade com o processamento fonológico e recurso à estratégia de leitura logográfica; e, finalmente, erro na rejeição de pseudopalavras estranhas pode indicar sérios problemas de leitura.

As normas do TCLPP foram desenvolvidas para crianças da 1ª a 4ª série do antigo ensino fundamental, levando em consideração que na 4ª série as crianças já apresentam a leitura bem desenvolvida e já se encontram na fase lexical. Esse dado é corroborado pela pesquisa de Capovilla, Machalous e Capovilla (2003) que demonstrou o TCLPP sensível à escolaridade e capaz de discriminar entre séries sucessivas da primeira à terceira série, sendo que nesta última as crianças já estavam na fase lexical, por isso não se diferenciando das crianças da 4ª série.

2.2.2. Escala de Autoconceito Infanto Juvenil-EAC-IJ

Desenvolvida por Sisto e Martinelli (2004), a Escala de Autoconceito Infanto Juvenil-EAC-IJ foi elaborada para avaliar o autoconceito em crianças de 8 a 16 anos de idade. A escala avalia quatro dimensões do autoconceito: pessoal, social, escolar e familiar. Além disso, a somatória das quatro dimensões propicia um resultado geral. O autoconceito pessoal refere-se aos sentimentos que a pessoa tem sobre seu modo de ser e agir em diferentes situações. Já o autoconceito social tem como enfoque tratar das relações sociais com os colegas e como ele se percebe nessas relações. No autoconceito escolar as questões são relativas as relações interpessoais que ocorrem no contexto escolar. Por fim, o autoconceito familiar abrange comportamentos adotados nas situações do dia-a-dia, em casa, com os pais e irmãos.

A escala é composta por 20 itens que descrevem afirmações sobre as quatro dimensões do autoconceito, sendo cinco itens para autoconceito pessoal e escolar, quatro para o familiar e seis para o social. As alternativas de respostas são 3 (sempre, às vezes e nunca) e o sujeito deve assinalar qual melhor o descreve. A aplicação da escala pode ser coletiva ou individual, não há limite de tempo para a aplicação, mas os sujeitos geralmente terminam entre 5 a 10 minutos. Para a correção das respostas, as alternativas são pontuadas com 0, 1 e 2, faz-se a somatória dos itens de cada dimensão e depois soma-se o resultado obtido em cada dimensão para obter um escore geral. Posteriormente, transforma-se o resultado bruto (dimensões e geral) em percentil com o auxílio de uma tabela de normatização e quanto maior o percentil (o resultado), maior o autoconceito.

2.2.3. Desempenho Acadêmico

As notas finais do desempenho acadêmico geral e nas disciplinas, português, matemática, historia, geografia e ciências, de cada aluno participante da pesquisa, foram coletadas à secretaria da escola onde ocorreu a coleta de dados. As pontuações das notas individuais podem variar de 0 a 100 e são comuns a todas as séries, enquanto o desempenho geral corresponde a média da somatória das cinco disciplinas, podendo variar de 0 a 500.

2.3. Procedimento

Inicialmente o projeto foi submetido ao Comitê de Ética de Pesquisas-CEP da Fundação de Ensino Superior do Vale do Sapucaí-Universidade do Vale do Sapucaí e obteve aprovação sob o protocolo nº 1738/11. Junto ao envio do projeto ao CEP, continha uma carta de autorização da direção da escola onde os dados foram coletados.

Após aprovação do CEP, os pesquisadores foram novamente à escola para conversar com os alunos, possíveis participantes da pesquisa, para explicar sobre o trabalho e qual a colaboração das crianças. Nesse dia foi entregue a cada criança duas vias do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido-TCLE para que seus responsáveis lessem e julgassem pertinente ou não a participação da criança na pesquisa. Concordando, os responsáveis deveriam assinar o TCLE.

Para a coleta dos dados, em dia e horário estipulado pela direção da escola, somente participou da pesquisa os alunos que entregaram o TCLE assinado. As aplicações ocorreram de forma coletiva e por ano escolar dentro das salas de aula. A ordem de aplicação dos testes foi primeiro o de leitura e depois de autoconceito, sendo que somente após todas as crianças terminarem de realizar o teste de leitura é que se aplicou o de autoconceito.

Na aplicação do teste de autoconceito, para evitar que possíveis crianças com dificuldade na leitura não compreendessem o que estava escrito, os pesquisadores leram todas as questões e alternativas junto com as crianças. O tempo de coleta, englobando os dois testes, foi de aproximadamente 40 minutos. Para a coleta das notas escolares, os pesquisadores, ao final do semestre, foram na secretaria da escola e pediram uma cópia dos registros das notas dos alunos participantes da pesquisa.

2.4. Plano de Análise dos Dados

Quantitativamente a análise dos dados foi realizada utilizando o Statistical Package for the Social Sciences - pacote estatístico para as ciências sociais – SPSS, versão 17.0. A análise estatística foi descritiva e inferencial, a primeira permitiu obter frequências e média dos dados de idade e quantidade dos participantes. Depois foram feitas as estatísticas inferenciais de correlação e regressão. A correlação foi utilizada para verificar a relação dos testes de leitura e autoconceito com desempenho acadêmico. Por fim a regressão contribuiu para identificar qual construto, leitura ou autoconceito, prediz melhor o desempenho acadêmico por meio das notas escolares. Os dados obtidos quantitativamente também passaram por análise de forma qualitativa, pois os resultados foram interpretados e discutidos perante a fundamentação teórica existente sobre o tema da pesquisa.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

O objetivo da pesquisa foi verificar a relação dos construtos leitura e autoconceito com desempenho acadêmico e identificar qual deles prediz melhor o desempenho. Para isso, inicialmente fez-se a correlação das pontuações obtidas no teste de leitura e autoconceito com a nota no desempenho acadêmico geral. As análises correlacionais e de regressão serão apresentadas por série, assim pode-se fazer uma exploração mais minuciosa das relações encontradas em cada etapa da vida escolar. A interpretação utilizada para as magnitudes das correlações segue o sugerido por Dancey e Reidy (2006) que consideram até 0,40 baixa, acima de 0,40 até 0,70 moderada e acima de 0,70 alta. A tabela 1 apresenta os resultados da correlação entre leitura e desempenho acadêmico por série.

As correlações averiguadas na tabela 1 foram, para a segunda série, significativas, positivas e moderadas entre desempenho acadêmico com leitura total-LTT (r=0,59 p<0,01) e corretas regulares-LCR (r=0,44 p<0,05), mas com palavras homófonas-LPH (0,60 p<0,01) foi alta. Na terceira série observa-se as correlações significativas entre desempenho acadêmico e leitura por meio das variáveis do TCLPP, leitura total (r=0,64 p<0,01), relação considerada alta, corretas irregulares-LCI (r=0,46 p<0,01), trocas fonológicas-LVF (r=0,49 p<0,01) e palavras homófonas (r=0,46 p<0,01) sendo de magnitudes moderadas e trocas visuais-LVV com correlação baixa (r=0,29 p<0,05). Já, na quinta série, nota-se correlações significativas, positivas e baixas entre desempenho acadêmico com leitura total (r=0,31 p<0,05) e palavras homófonas (r=0,33 p<0,05). Por fim, no geral, visualizam-se correlações significativas, positivas e baixas para desempenho acadêmico e as variáveis leitura total (r=0,31 p<0,01), corretas irregulares (r=0,22 p<0,01), trocas fonológicas (r=0,23 p<0,01), e palavras homófonas (r=0,24 p<0,01).

Tabela 1. Análise correlacional, por série, entre leitura e desempenho acadêmico

Notas

Ano

LTT

LCR

LCI

LVS

LVV

LVF

LPH

LPE

DA

0,597**

0,443*

0,319

0,268

0,185

0,401

0,605**

0,058

3º

0,646**

-0,078

0,463**

0,073

0,296*

0,499**

0,462**

0,153

4º

0,157

0,050

0,151

-0,024

0,118

0,138

0,143

-0,048

5º

0,311*

0,151

0,129

0,039

0,239

0,287

0,335*

-0,047

GERAL

0,310**

0,086

0,227**

0,060

0,140

0,235**

0,247**

0,051

Fonte: Elaboração própria
Nota: *p = 0,05 e **p = 0,01

O resultado, no geral, sem separação dos anos escolares, emerge em decorrência das correlações observadas nos anos escolares separados, por isso é mais importante analisar por ano. Pode-se notar que as correlações se concentram nos primeiros anos em que se tem o inicio do desenvolvimento da leitura, sendo esperado desta forma que as notas sejam um reflexo desta situação, enquanto para os outros anos, nos quais se tem pouquíssimas correlações, atribui-se ao fato de novos elementos contribuírem para o desempenho escolar das crianças como, por exemplo, interpretação de texto e lógica. Assim, o conhecimento lexical tende a não se apresentar mais como fundamental para o entendimento de uma matéria, uma vez que se espera essa habilidade já ter sido obtida e as matérias dos anos escolares mais avançados exijam outras capacidades.

Mesmo considerando a leitura de palavras um fator menos importante nos anos mais avançados, justamente por esperar que essa habilidade já esteja desenvolvida, o resultado obtido no 4º ano deve ser mais bem investigado em outras pesquisas, ainda mais que no 5º ano foram encontradas correlações entre leitura e desempenho acadêmico. Para o 5º ano as correlações foram baixas, diferente das correlações moderadas e altas constatadas para o 2º e 3º, mas é um dado condizente uma vez que a habilidade de leitura continua a ser importante, mesmo não sendo fator principal.

A presente pesquisa apontou dados que corroboram parcialmente com os trabalhos de Zuanetti, Schneck e Manfredini (2008) e Silva e Capellini (2011). O primeiro avaliou somente a consciência fonológica em crianças de 2ª série, correspondente ao 3º ano da amostra desta pesquisa atual. Zuanetti, Schneck e Manfredini (2008) observaram correlações altas e neste as associações foram moderadas, inclusive com as variáveis VV (pseudopalavras com trocas visuais), VF (pseudopalavras com trocas fonológicas) e PH (pseudopalavras homófonas) que indicam a consciência fonológica. Mas na leitura total, a correlação entre desempenho acadêmico e leitura de palavras foi alta.

No segundo trabalho, Silva e Capellini (2011) encontraram dados para alunos de 2ª a 4ª série, aqui correspondente com 3º a 5º ano, que sugerem que crianças com bom desempenho acadêmico apresentam melhores resultados em leitura, escrita, velocidade de processamento, processamento auditivo e visual do que crianças com distúrbios de aprendizagem. O presente trabalho identificou a relação positiva entre leitura de palavras e desempenho acadêmico, exceto para o 4º ano que se refere a 5ª série da pesquisa de Silva e Capellini. Além disso, o atual trabalho não investigou crianças com distúrbios de aprendizagem, mas a relação entre mau desempenho e baixa habilidade de leitura, que principalmente em anos escolares mais avançados pode ser um indício de alguma dificuldade de aprendizagem. Mesmo nos anos escolares iniciais é importante acompanhar o que é esperado para cada idade e, ao identificar alguma discrepância, fazer uma avaliação pormenorizada da aprendizagem. Essa preocupação com o desenvolvimento esperado para cada idade é fortalecida pelo apontamento de Sisto e Martinelli (2006), mencionando que na última década aumentou a ocorrência do fracasso escolar no ensino fundamental, podendo, às dificuldades de aprendizagem nos diversos conteúdos, ser o fator desencadeador desse fracasso. E isso é corroborado por Oliveira, Boruchovitch e Santos (2008) apontando que as dificuldades, no ensino fundamental, podem ser atribuídas ao pouco domínio da leitura e escrita.

Analisado o aspecto cognitivo, desenvolvimento da leitura, agora serão apresentadas as correlações do aspecto emocional, autoconceito, com o desempenho acadêmico. Na tabela 2 visualizam-se os dados obtidos.

Tabela 2. Análise correlacional, por série, entre autoconceito e desempenho acadêmico

Notas

Ano

Pessoal

Escolar

Familiar

Social

Total

DA

0,074

-0,103

0,150

0,107

0,096

0,103

0,046

-0,068

0,230

0,165

0,033

0,098

-0,032

-0,008

0,039

0,151

0,249

-0,023

0,444**

0,406**

GERAL

0,128

0,131

-0,013

0,125

0,172*

Fonte: Elaboração própria
Nota: *p = 0,05 e **p = 0,01

Por meio da tabela 2 constatam-se somente três correlações significativas entre autoconceito e desempenho acadêmico, sendo duas positivas e moderadas no 5º ano e uma positiva e baixa no geral dos anos escolares. Esse resultado indica que apenas para os alunos do 5º ano o autoconceito tende a ser uma variável importante para o desempenho acadêmico, em específico o autoconceito social (r=0,44 p<0,01), já que o outro resultado é com o autoconceito total, mas que emerge mais em função da correlação do autoconceito social. Na correlação destes dois construtos, embora não tenham surgido muitas correlações, a relação que aparece na quinta série para a dimensão autoconceito social e total, com magnitude moderada, é interessante por apontar a importância do meio social nesta fase, inferindo-se que para esse ano, particularmente, nesta amostra, o bom desempenho acadêmico está bastante relacionado com as interações sociais, a forma como a pessoa é tratada e o respeito que possui em seu grupo.

Os achados no presente artigo pouco corroboram com pesquisas realizadas tendo o mesmo objetivo de verificar a relação entre autoconceito e desempenho acadêmico. Cia e Barham desenvolveram duas pesquisas, uma em 2008 com alunos de 5ª e 6ª série e outra em 2009 com alunos de 1ª e 2ª série. Essas amostras correspondem respectivamente ao 6º, 7º, 2º e 3º ano, nomenclatura utilizada na atual pesquisa. Em seus dois trabalhos as autoras encontram correlações positivas, significativas e moderadas do desempenho acadêmico e autoconceito geral, mas correlação baixa com autoconceito acadêmico na primeira pesquisa. Os dados aqui obtidos também mostraram correlação moderada entre os dois construtos, mas com autoconceito social e geral, no entanto o resultado do geral tende a ser reflexo das demais associações nas dimensões.

Sobre o autoconceito acadêmico, o trabalho de Bacon (2011) mostrou correlações positivas e moderadas com o desempenho acadêmico em uma população de estudantes africanos no colegial. Já a pesquisa de Dambudzo e Schulze (2013) sugeriu correlações baixas, mas entre o desempenho acadêmico e todas as dimensões do questionário de autoconceito utilizado na pesquisa: dimensões social, físico, emocional e cognitivo. Contudo correlações moderadas foram observadas na dimensão cognitiva nos grupos de estudantes mais novos, de zonas rurais, escolas não-governamentais ou que estudam em regime de internato. Esse último artigo, em partes, corrobora com os achados nesta pesquisa quando aponta a relação com a dimensão social, mas além de ser magnitude baixa, a população foi com estudantes mais velhos de escolas secundárias e com no mínimo 13 anos de idade. Por fim, utilizando uma amostra mais parecida com a atual, Ferreira, Conte e Marturano (2011) identificaram correlação positiva entre desempenho acadêmico e autoconceito na dimensão felicidade, em meninos de 6 a 11 anos e com queixa escolar.

Um trabalho que contradiz os dados averiguados nas pesquisas acima, incluindo este atual trabalho, é o de Clemente (2008) que não encontrou diferença no autoconceito de crianças com e sem dificuldades de aprendizagem, mas os dados dessa investigação merecem ser mais bem analisados com outras pesquisas para sustentar esse achado. No entanto, não há como negar a importância do autoconceito para o desempenho acadêmico, os dados podem não ser compatíveis entre as dimensões que mais se relacionam, as magnitudes observadas e/ou a população em que os dados ocorrem, mas o autoconceito se faz presente. Uma dificuldade para encontrar resultados mais coerentes, pode ser justamente o tipo de instrumento utilizado para mensurar o autoconceito, pois nas pesquisas elencadas, os instrumentos são diferentes e com subescalas diferentes. Além das populações, que necessariamente não se comportam iguais, por exemplo, no presente estudo se trabalhou com uma amostra de crianças dos anos iniciais do ensino fundamental e de uma escola particular, quando na maioria dos estudos, prevalece o ensino público.

Após realizar as análises correlacionais, buscando identificar como ocorre a relação entre leitura e autoconceito com o desempenho acadêmico, é importante aplicar a análise de regressão para verificar o quanto os construtos leitura e autoconceito contribuem para o desempenho acadêmico e qual prediz melhor esse desempenho. Os resultados encontrados para essa análise podem ser conferidos na tabela 3.

Analisando-se os dados obtidos da regressão, mostrados na Tabela 3, é possível observar que somente as variáveis do teste de leitura predizem o desempenho acadêmico para o segundo e terceiro ano. No entanto, no quinto ano o autoconceito foi predito com a variável social e para o quarto ano nenhum dos construtos foi capaz de predizer o desempenho.

Por meio desses resultados pode-se inferir que os dois construtos, leitura e autoconceito, são importantes para o desempenho acadêmico, em momentos distintos. Em um primeiro momento, ao se iniciar os estudos (2ª e 3ª anos), a leitura tende a ser um fator importante, assim como a escrita, para o desempenho acadêmico, pois, permitem o desenvolvimento da linguagem e comunicação da criança com as outras pessoas, bem como são pré-requisitos para a aprendizagem dos conteúdos escolares, tanto iniciais quanto avançados. Desta forma, sendo o desempenho acadêmico uma das formas de constatação do que a criança foi capaz de absorver e aprender, logo nessa fase inicial, o aluno com leitura mais bem desenvolvida tende a apresentar melhor desempenho.

Tabela 3. Regressão linear por stepwise entre a variável dependente do desempenho acadêmico e as variáveis independentes dos testes de leitura e autoconceito

Modelo

Variáveis preditoras

B

Erro Padrão

b

t

p

F

2º Ano

 

 

 

 

 

 

 

 

1

(Constant)

317,332

32,217

 

9,850

0,00

12,13

0,34

 

LPH

13,331

3,828

0,61

3,482

0,00

 

 

3º Ano

 

 

 

 

 

 

 

 

3

(Constant)

-205,96

117,023

 

-1,760

0,08

21,50

0,55

 

LTT

9,076

1,448

0,635

6,266

0,00

 

 

 

LCI

26,923

7,180

0,370

3,750

0,00

 

 

 

LPE

-24,518

11,814

-0,215

-2,075

0,04

 

 

5º Ano

 

 

 

 

 

 

 

 

1

(Constant)

287,890

27,288

 

10,550

0,00

9,83

0,20

 

ACST

8,286

2,642

0,44

3,136

0,00

 

 

Fonte: Elaboração própria

Porém, como é esperado que a leitura já esteja mais bem desenvolvida nos anos escolares mais avançados, como o 4º e 5º ano, outras competências, fatores começam a ser mais necessários para aprendizagem dos conteúdos escolares. Essa afirmação pode ser corroborada com o resultado encontrado neste estudo no qual não se encontrou correlações significativas para o 4º ano e somente duas correlações significativas e baixas para o 5º ano.

Um dos fatores que pode contribuir para o desempenho acadêmico nas séries mais avançadas é o autoconceito, conforme visto na presente pesquisa. Os dados apontaram correlação significativa, e moderada, somente para o 5º ano entre o desempenho acadêmico e autoconceito, mais especificamente o social. O autoconceito social está correlacionado ao papel e valor que o grupo ganha nesta fase, a aceitação e o sentimento de pertencimento se tornam importantes na vida das crianças e isto acaba refletindo também no seu desempenho, confirmando que, quanto melhor for à relação da criança com o social, melhor tende a ser o seu resultado no desempenho acadêmico.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

No intuito de averiguar as relações entre leitura e autoconceito com o desempenho acadêmico, a presente pesquisa foi realizada. Com os dados obtidos desta amostra, de crianças de ambos os sexos do 2º a 5º ano escolar da rede particular, encontrou-se correlações significativas, positivas, moderadas e altas entre leitura e o desempenho acadêmico no segundo ano e terceiro ano. Já o autoconceito, somente no fator social, apresentou correlação com desempenho no quinto ano, mas a magnitude da relação foi moderada, indicando que esse fator do autoconceito é importante para o desempenho acadêmico das crianças nesse ano escolar. Por fim, a análise de regressão indicou que a leitura é um fator que tende a predizer o desempenho acadêmico no 2º e 3º ano e o autoconceito social no 5º ano.

Desta forma, esta pesquisa fornece subsídios que contribuem para uma melhor compreensão científica sobre as relações entre a leitura e autoconceito com o desempenho acadêmico. Todavia estes achados precisam ser mais investigados, por exemplo, dois dados observados na presente pesquisa, e que merecem maior atenção em futuras pesquisas, se referem ao 4º ano que não apresentou correlação entre as variáveis do estudo, e a variável autoconceito escolar, que inicialmente seria um aspecto para mostrar correlação com o desempenho acadêmico. A leitura de palavras não se correlacionar com o desempenho acadêmico no 4º ano, pode ser explicada pela aquisição dessa habilidade já bem estabelecida nessa fase escolar, e que outros aspectos cognitivos estejam sendo mais demandados. No entanto, também não foi verificada a relação entre autoconceito e desempenho nesse mesmo ano, mas sim no 5º ano. Esse dado pode ser específico dessa população ou realmente no 4º ano outros fatores é que interferem no desempenho. Futuras pesquisas podem ser delineadas para explorar esse resultado do presente estudo, investigando junto com outras variáveis cognitivas e afetivo-emocionais para tentar entender quais elementos são importantes para o desempenho acadêmico no 4º ano.

Sobre o autoconceito escolar, como se refere à percepção do indivíduo no ambiente escolar, a hipótese é que haveria relação com o desempenho acadêmico, pois um sujeito que não se percebe adequado, capaz e importante nesse ambiente, tenderia a apresentar até mesmo menos motivação para o estudo, e o desempenho acadêmico poderia ser afetado negativamente. Porém, no presente estudo, nenhuma correlação foi observada. Esse é um dado para ser mais bem explorado em futuras pesquisas.

Isto posto, consideramos que é este um dado a ser explorado também por outros pesquisadores, inclusive é interessante que se desenvolvam pesquisas com essa temática envolvendo a participação de uma amostra composta por alunos do ensino público, bem como com maior quantidade de sujeitos e com uma análise mais refinada e aprofundada do contexto em que os dados são coletados, como exemplo a pesquisa qualitativa efetuada por Hernández-Castilla, Murillo e Martínez-Garrido (2014), citada na introdução, que possibilita uma análise mais ecológica sobre a relação do desempenho acadêmico com a leitura e o autoconceito, e com outros fatores que possam ser explorados. Assim afirma-se a necessidade de constantes pesquisas sobre o tema, comparando amostras da rede particular e pública, em maior número e em diversas regiões para desta forma ser possível obter um conjunto de informações para embasar o melhor entendimento entre as relações do desenvolvimento da leitura e autoconceito com o desempenho acadêmico. Com isso, consequentemente, pode-se melhorar e compreender o desenvolvimento das crianças nesse período da fase escolar.

Dada a abrangência e complexidade do tema, bem como as limitações do presente estudo, essas e demais investigações procurando compreender as variáveis que interferem no desempenho acadêmico, colaboram para que os profissionais da educação saibam cada vez mais o que pode ser trabalhado para potencializar a capacidade do aluno e bom desempenho escolar, como, por exemplo, no caso dos alunos do 5º ano investigados, cujo resultados apontaram que o autoconceito social tem maior predição do desempenho acadêmico do que a leitura correta de palavras. Tal dado colabora para que intervenções visando o desenvolvimento do autoconceito social sejam planejadas com a finalidade de também contribuir para a melhora do desempenho acadêmico.

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{1} pesquisa é fruto de parte do trabalho de iniciação científica do segundo autor, com apoio financeiro da Fundação de Ensino Superior do Vale do Sapucaí, por meio do Programa de Incentivo à Bolsa de Iniciação Científica-PIBIC da Universidade do Vale do Sapucaí-Univás.